Investimento de impacto na prática: a história de uma família investidora
Começamos nossa jornada em investimento de impacto em 2016, quando estruturamos nosso family office. A intenção, desde o início, foi alinhar os investimentos aos nossos valores e impulsionar negócios que operam em parceria com a natureza.
A primeira tarefa foi encaixar o projeto de investimento de impacto à estratégia da família. Tendo como alicerce a governança, a visão e as metas do nosso family office, partimos para a análise dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e selecionamos os temas socioambientais que mais ressoam com a família: consumo e produção sustentáveis, vida terrestre, agricultura sustentável e vida na água.
Observando que o ecossistema de investimentos de impacto ainda dava os primeiros passos no Brasil, escolhemos começar pela Europa, acelerando nosso aprendizado junto a comunidades pioneiras de investidores, como a Pymwymic e a Toniic.
No início, tratamos os investimento de impacto como uma classe especial de ativos de alto risco, muito relacionada ao financiamento de startups com foco socioambiental e retorno financeiro. Decidimos então criar o Meraki Fund, um fundo de venture capital em parceria com outra família brasileira, com o objetivo principal de impulsionar o crescimento de startups que promovem o uso sustentável de recursos naturais. Nosso primeiro investimento foi em uma empresa holandesa, que desenvolve embalagens biodegradáveis a base de bagaço de cana e folha de palma como substituto de plástico para a indústria de hospitalidade e catering.
Ao longo de 2017, ampliamos bastante as possibilidades de investimento. Entendemos que investir em impacto é uma filosofia de vida; uma maneira nova de ver a carteira total de investimentos do family office como um todo. Hoje buscamos intencionalmente criar retorno financeiro e socioambiental através de diversas classes de ativos, incluindo renda fixa, public equity e ativos reais, principalmente áreas florestais. Financiamos projetos de energia limpa e investimos em fundos de private equity e private debt que promovem economia circular e produção sustentável de alimentos e outros bens de consumo.
Continuamos fazendo investimentos diretos via Meraki Fund, agora com foco em reflorestamento e agricultura regenerativa de solo, temas bastante relevantes para o Brasil. Investimos principalmente em startups de tecnologia que impulsionam a recuperação de matas nativas e uma agricultura mais sustentável, tornando o Meraki uma ponte entre o Brasil e a Europa, ajudando empresas de tecnologia europeias a acessar o mercado brasileiro e vice-versa.
Hoje olhamos para investimentos de impacto não apenas como uma forma de alinhar valores à carteira de investimentos, mas também de modernizar a carteira e prepará-la para a nova geração, que entra no mercado de consumo cada vez menos interessada em grandes marcas, carro próprio, comida industrializada e consumo em massa. Investimentos de impacto vão muito além de oferecer serviços e produtos que melhoram a vida dos menos privilegiados; são uma oportunidade de investir em tendências de mercado que já alavancam grandes negócios hoje, como o movimento de alimentação orgânica, o acesso à educação customizada através da inteligência artificial, e a economia compartilhada de veículos, eletrônicos e até de roupas. Esses são novos modelos de negócio que atendem necessidades da próxima geração.
O movimento de investimentos de impacto cresce exponencialmente no mundo e no Brasil, e já oferece produtos financeiros em todas as classes de ativo. Muito além do venture capital, que continua sendo um veículo importante para alavancar novos negócios de impacto, existem no mercado fundos e bonds com propostas atraentes de risco e retorno, adicionando a dimensão do impacto, abrindo caminhos para a possibilidade de um portfólio 100% alinhado com investimentos de impacto e performance, superior à portfólios tradicionais, estes mais expostos à volatilidade e ao risco sistêmico do mercado.
Para quem começa a jornada de impacto no Brasil, já existem alguns fundos especializados atuando em venture capital e private equity, como Vox Capital, Mob e Performa. Nos bancos também é possível acessar investimentos em grandes projetos de energia, como parques eólicos e de energia solar.
Para acessar oportunidades de investimento do exterior, a melhor maneira é entrar em uma comunidade de investidores de impacto global como a Toniic, Pymwymic e The Impact, que já contam com alguns membros brasileiros.
Antes disso, vale discutir com a família a estratégia de impacto e escolher os objetivos da ONU que mais ressoam com a visão do family office. Todos os 17 são importantíssimos, mas focar em alguns ajuda na seleção de investimentos e sinergia da carteira.
Por fim é importante analisar a carteira atual e desinvestir em empresas e fundos que causam impacto negativo. Onde colocamos o nosso dinheiro é um reflexo de quem somos, e hoje já temos ferramentas disponíveis para colocá-lo para trabalhar a favor do planeta com retornos interessantes.
Sobre o autor
Fernando Russo tem mais de 15 anos de experiência em Marketing e empreendedorismo. Depois de vender sua startup no Brasil, cursou o Executive MBA do INSEAD na França. Hoje gerencia seu próprio fundo de investimentos de impacto em Amsterdam e é responsável pelo comitê de investimentos do Family Office de sua família em São Paulo.